sábado, 31 de março de 2012

Crónica Semanal de Bernardo Tomé no Blog da A.I.J - 31/03/2012 (Devia ter sido públicada ontem).

Bernardo Tomé*
"Os comunistas também se apaixonam."
       
  Os portões abriram para a esquerda: um para dentro e outro para fora. Eram todos canhotos, aqueles que, com as mãos cansadas de lutar, puxavam com contentamento a abertura de mais uma festa do Avante.
        Ao coçar a barba do nervoso que sentia sempre que entrava por aquelas terras secas, reparo mais uma vez no rosto repetido em cada camisola andante. Foi nesse gesto que foquei uma imagem diferente e refleti que era o pensador Fidel Castro quem deveria estar repetido. Naquele momento quis ver as barbas pensantes do camarada sem igual que sempre fez de mim um melhor ser humano, com as suas ideias, com os seus discursos, com a sua forma plena ao comunicar com as massas. Queria ver a sua farda verde azeitona estampada no peito daqueles que ousam sonhar com a utopia. Naquele coçar de barba, julguei que era assim que o Ernesto gostaria que fosse. Fidel. Fidel Castro.
        Olhei para os meus iguais e senti que também eles tinham a responsabilidade maior de ser comunista. Senti, no pó que vinha de cada um, que entrávamos juntos no socialismo, no nosso pequeno socialismo, porque afinal, sempre soubéramos que ali, na festa do Avante, o socialismo concretizava-se, nesses três dias que orgulhariam Marx, era possível.
        Cumprimentei os habituais, fazendo questão de os abraçar, como ordena a saudade e a fraternidade.
        Vejo em cada rosto uma familiaridade que me comove. A música ainda não a ouço, mas julgo ser Pedro Barroso quem canta, julgo que é uma guitarra que grita “…quando um povo pergunta – Como é? – alguém vai tremer…”. Pedro Barroso, barbudo como Camilo Cinfuegos, robusto como Evo Morales. Estou comovido e a mesma comoção leva-me a cumprimentar todos os camaradas que aparecem no meu campo visual.
        Dirijo-me para o Espaço Internacional, para apertar as mãos silenciosas dos camaradas norte coreanos. Como sempre, sorriem timidamente e oferecem-me tomates vermelhos. Como ao longo destes anos me habituaram, secretamente, muito secretamente, abrem um saco e mostram-me a Coca-cola fresca que degustam sempre que o calor chama mais alto. Fico um pouco no silêncio, sem que sejam preciso palavras para a nossa amizade momentânea. Fico no silêncio e olho para os quadros sem beleza mas recheados de arte, arte antiga segundo os seus antepassados.
        Ao deixar a Coreia do Norte, parto para os irmãos de Angola, esses que têm sempre uma dança para me seduzir. O suor que emanam dá-lhes o alento de três dias de fascinação e igualdade. Sinto-me confortável junto deles, chego até a mover a perna, sinal de quem não sabe dançar mas que inveja os talentosos dançarinos angolanos. Permaneço ao balcão a ouvi-los a falar, como se cantassem, como se a vida não tivesse aborrecimentos e tudo à volta fosse um mar imenso.
        Ao descer a estrada que me leva a zona de banhos improvisados, qual chafariz, qual piscina olímpica, ao descer, vejo uns lábios finos e um rosto de bronze. Esfrego os olhos e discretamente volto ao rosto, volto ao rosto comunista mais bonito que encontrei.
Pergunto aos meus iguais se está muito calor, se está o calor suficiente para ver um oásis. Não me respondem, irónicos como sempre gostei, dão a gargalhada de quem desfruta ao máximo da ingenuidade de um amigo. Sou o alvo de chacota.
Volto a olhar, sem reparar que todos caminham menos eu, todos seguem para algum lado e eu estou parado na multidão que se move para perceber a dimensão da festa. Volto a olhar e ela ainda lá está, com os lábios finos desbaratando uma beleza universal, de cabelos longos recaídos sobre os seus ombros de delicadeza. Fala com os camaradas, ouve e responde, mas eu não consigo ouvir a sua voz. Fala baixo como é próprio de quem na timidez vive.
Aproximo o meu andar para bem perto dela, perto o suficiente para ouvir a melodiosa canção que parece cantar. Percebo a letra, percebo que é poesia de Saramago com voz de Manuel Freire, sim, ouço perfeitamente: “…acendemos cigarros em fogos de napalm, e dizemos amor sem saber o que seja…”.
Quero falar com ela, mas ainda não acabou a canção, estou apaixonado, mas ainda não acabou a canção, estou enternecido, mas ainda não acabou a canção.
Ao terminar, fica um assobio cantando. Faz-me sorrir.
Quando o silêncio se apodera do momento, como se o camarada Kim da Coreia do Norte baixasse o volume repentinamente, ela volta-se para mim e olha o seu reflexo nos meus olhos. Percebe perfeitamente que eu quero falar com ela, que estou apaixonado, que estou enternecido.
Ao ver-me ali parado entre tantos, percebe tudo e deixa-me nas mãos a sua presença. Permite-me uns segundos de eternidade. Diz que não percebe e segura o cabelo empurrado pelo vento. Diz que não percebe nada e que nem o meu nome sabe. E volta-se. Volta-se para me deixar as suas costas e os seus ombros de bronze. Ao girar sobre si mesma, sacode um perfume que guardo nos lábios. E caminha para dentro da festa, para a mesma festa, para um outro local longe da loucura de quem pára o mundo para olhar. Deixa-me sozinho com as mãos cheias da sua voz.
Quando volto a conseguir andar, estão todos à minha volta a dançar, a saltar, a exaltar a grandiosidade da festa do Avante. Movem-se ao som da Carvalhesa e materializam-se os dias felizes do grande camarada Álvaro Cunhal.
Não consigo dançar ou saltar, não por falta de vontade, antes, porque ao ver tamanho contentamento, recordo-me de quem um dia se sentou ao meu lado para almoçar o almoço dos simples, lembro o Vasco Gonçalves sentado à minha direita, a tornar uma simples refeição num ato histórico, lembro que naquele almoço ao lado do camarada senti o Partido Comunista Português com a força da juventude, porque nele vi uma longa história de vida e os atos mais epopeicos e, sobretudo, uma moral de dimensões inimagináveis.
        Não dancei. Não saltei. Ouvi a Carvalhesa e não dancei.
        - Não gostas da música?
        Ao olhar para quem me falava voltei a apaixonar-me como da primeira vez. Era ela, a dos lábios finos e dos ombros de bronze. Falava comigo e eu estava mudo. Tanto para dizer, tanta poesia para dedicar e eu mudo, sem a arte que me identifica. Sabia que se fala-se gaguejaria, que não conseguiria cativá-la como a raposa, que não seria o poeta que queria ser.
        - Então, não respondes?
        Antes de sequer pensar em responder, o camarada de Angola passa nas minhas costas e sussurra ao meu ouvido funcional: - Os comunistas também se apaixonam.
        Fico sorridente. Respondo prontamente.
        - Sim, gosto imenso da música e é o único sitio onde gosto de a ouvir. Não gosto de a ouvir em casa, porque perde o encanto. Assim, espero de ano a ano para a ouvir de novo e claro, para saltar e dançar.
        - E há pouco, estavas a gozar com a minha voz? – Riu-se.
        - Não, longe disso, estava a tentar andar e a tua voz puxava-me para a ouvir, as tuas palavras fizeram algum sentido naquele momento. Mas claro que não estava a gozar.
        - Também dizes amor sem saber o que seja?
        Quando disse isto a minha cor vermelhou. Ao ouvir a pergunta poética que ela me fazia, o meu tremor voltou e o silêncio ocupou-se de mim.
        - Mas decerto que não o dizes muitas vezes?
        Respirei profundamente, tentando o retorno à calma. E respondi com a maior sinceridade de todas.
        - Não sei o que é o amor, mas falo dele, explico-o com palavras minhas. Invento histórias de amor para definir o que possa ser na sua verdade. Mas continuo sem saber o que seja. Percebo o amor como um ato de altruísmo, de compaixão pelo próximo, como uma definição de comunismo, como um princípio socialista. Mas continuo sem saber o que seja. Se me perguntares se já senti o amor, eu dir-te-ei que sim, que o sinto, agora, neste momento e há pouco, sinto amor por ti e gosto de o sentir. Mas no entanto falta-me saber o que seja. Talvez o Saramago nos explique um dia, ou talvez já tenha explicado no livro A Maior Flor do Mundo.
        Quando parei de falar, ela não disse absolutamente nada. Voltou-se de novo e vi novamente o seu cabelo empurrado pelo vento e os seus ombros de bronze. Sem perceber e sem razão, fiquei a pensar que teria eu dito de tão ridículo que pudesse ter feito com que as suas costas fossem de novo minhas vizinhas.
        Vi-a afastar-se de mim. Vi os seus passos lentos.
        Pouco depois, sem dar tempo a que eu caminhasse um metro, voltou. Trazia um papel, um pequeno papel que abri depois. Beijou-me o rosto e despediu-se sem razão.
        Ao abrir o papel dobrado escolhi olhar a letra e ver os contornos de tinta que ela tinha deixado. Só depois vi os escritos em forma de letras, só depois entendi o que dizia. A letra era trabalhada ao detalhe e o seu conteúdo não era menos importante:

“Eu sei o que é o amor.”
        
*Professor primário. O autor escreve às Sextas-feiras no Blog da A.I.J

quarta-feira, 28 de março de 2012

Crónica de Francisco da Silva (Todas as Quartas-feiras) - 28/03/2012

Portugal: um país dois sistemas
Francisco da Silva*

É inevitável falar da educação novamente. A última ideia peregrina do ministro da educação é a de separar os jovens com mais dificuldades em aprender dos outros para que não perturbem as aulas.
Pretende criar turmas separadas a exemplo do que se faz nos estados unidos, deixando assim para trás aqueles que mais precisam de ajuda. Vários estudos apontam para uma correlação directa entre rendimento do agregado familiar e o desempenho escolar dos alunos: quanto menos condições económicas têm menor rendimento escolar apresentam. Compreende-se a ideia de Nuno Crato e do governo que tal como já fizeram nas faculdades querem empurrar os jovens para a ignorância.
É assim com a educação, tal como é assim com o serviço nacional de saúde e com a justiça.
Portugal é hoje um país com dois sistemas: um para os com mais rendimentos e outro para os mais pobres. O governo perdeu a vergonha há muito e está numa cruzada contra os justos direitos que os portugueses adquiriram ao longo de anos e anos da sua história.
A sociedade divide-se cada vez mais entre ricos e pobres, há a extinção da classe média a todos os níveis e agora também na escola pública passará a ser regra essa separação, para que os miúdos se habituem logo cedo que há dois tipos de pessoas: as que têm tudo e as que não têm nada.
A nós jovens compete-nos fazer frente a esta violência que o governo inflinge sobre nós dia após dia. Não podemos continuar a fingir que não sabemos quem tem a culpa, que não há outra maneira senão olhar para o chão e encolher os ombros enquanto se fuma o último cigarro a caminho de casa depois de mais um dia desperdiçado porque não há emprego nem futuro aqui.
A alternativa a anos e anos seguidos de dias iguais somos nós. Só nós temos força, capacidade e criatividade para mudar o jogo. Chega de fingir que a política é coisa de velhos e que não é para nós. A política não só é para nós como precisa de nós. Vamos deixar de viver vergados ao peso da inevitabilidade e exigir mudanças aos nossos políticos. Está na altura de tirar o tapete a esta gente que tanto tem denegrido a democracia e só nós o podemos fazer mais ninguém.

* O autor escreve às Quartas-feiras no Blog da Associação Iniciativa Jovem.

terça-feira, 27 de março de 2012

Crónica de Luís Baptista no Blog da A.I.J - 27/03/2012

Entre o bastão e a parede
Luís Baptista* - luisbaptista.net@gmail.com

Para quem, como eu, tem participado nas várias manifestações dos últimos tempos - as da central sindical de classe (CGTP) e outras marcadas por vários movimentos e plataformas -, facilmente percebemos que um cenário de guerra, como aquele que aconteceu na tarde de 22 de Março, era inevitável.

Primeiro, porque ao agudizar-se a luta de classes, assistiremos naturalmente a um processo de radicalização da luta social e a uma consequente resposta repressiva por parte do poder dominante. Segundo, porque desde os incidentes da última greve geral, a 24 de Novembro, uma espécie de espinha ficou encravada nas gargantas do povo e da polícia. Como que esperando o pretexto, numa pequena mas combativa manifestação, e quando se voltaram a extremar posições durante os piquetes de greve, caiu a espinha pela goela, isto é, bastonada abaixo. Terceiro, porque a agressividade da resposta policial é, em larga medida, explicada pela correlação de forças entre quem protesta e quem reprime. E naquela tarde de quinta-feira, a correlação de forças era vantajosa para as autoridades.

Isto é de estranhar? Não. Sabemos que a polícia está ao serviço da classe dominante, independentemente da solidariedade individual de cada um. Não se podem posicionar contra quem lhes paga o salário ao fim do mês. Qualquer desobediência a uma ordem da hierarquia pode acabar em despedimento, risco que os agentes da autoridade não estão disponíveis a correr. Primeiro temos que ganhar o povo, só depois as forças da ordem!

Conscientes de que outros confrontos se seguirão, restam-nos as organizações sociais, os sindicatos (de confiança!), os movimentos e plataformas, a população em geral, para refletir sobre as estratégias que devem ser seguidas e sobre a resposta que deve ser dada. Sabemos que a disponibilidade de cada individuo para resistir à repressão não é igual. Sabemos também que há factores de ordem social, cultural, geracional e política, que condicionam esta discussão e uma tomada de posição.

Tenho defendido que deve começar um processo progressivo de radicalização das formas de luta politica e social. Nós, os jovens, estamos mais disponíveis para adoptar essas formas de luta. Contudo, isso só pode acontecer ganhando primeiro as pessoas, sem radicalismos autodestrutivos e infantis. Este processo só é possível com maior consciencialização colectiva.

Se eu tiver de escolher entre defender um polícia ou um companheiro de luta, não hesitarei um segundo. E outra coisa também é certa: com ou sem polícia, com ou sem cassetete, com ou sem sangue, o capitalismo que se cuide. Entre o bastão e a parede, a luta dos trabalhadores e da juventude sai reforçada!

*Estudante de Ciência Politica e Relações Internacionais na FCSH-UNL e Dirigente Associativo (A.I.J). O autor colabora pontualmente com Blog da Associação Iniciativa Jovem.

domingo, 25 de março de 2012

Crónica de Domingo no BLOG da A.I.J - 25/03/2012

Convicção (sub)urbana
Daniel Veloso*

Por vezes reflectimos sobre o porquê das coisas. Sobre o porquê da sociedade estar assim organizada, dividida, segregada. Ainda que tentemos acreditar viver numa sociedade mais justa e igualitária do que há meio século atrás, a realidade circundante impede-nos de abraçar essa ilusão. Ao desbravarmos terreno e calcorrearmos as profundezas de uma cidade como Lisboa, facilmente compreendemos a complexidade da segregação social a que muitos são, ainda hoje, submetidos. Menosprezados, esquecidos, hostilizados. É esse o quotidiano dos habitantes dos bairros periféricos, dos pejorativamente denominados “bairros problemáticos”. Subsistindo em condições precárias, e votados a um enorme isolamento, as perspectivas são quase nulas para os suburbanos. A miséria ríspida, a putrefacta opressão, a marginalização causada por uma grande parte da sociedade. Perspectivas de emprego ou estudo? Zero. Jovens suburbanos são escorraçados, tratados como objectos. Muitos dizem que isso acontece precisamente porque esses jovens são “bandidos”, “criminosos”, “arruaçeiros”, “traficantes”, “mal intencionados”. No entanto, é necessária uma análise das razões que conduzem os suburbanos a esses atribulados caminhos. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce criminoso. A questão central aqui é a desigualdade, perpetuada pelo sistema e agudizada na periferia. Porque, quando o desemprego jovem ronda os 35% em Portugal, essa percentagem ultrapassa os 60% nos subúrbios. Quando a fome grassa em todo o lado, essa fome grassa com maior veemência nos bairros da linha de Sintra ou Loures. Frequentemente, os jovens da periferia enveredam por caminhos “socialmente inaceitáveis”, encetam acções que os condenam à hostilização. Mas será esta “tendência” aleatória? Claro que não. É uma tendência decorrente da exclusão social a que os subordinam. É uma consequência do fosso social existente entre habitantes ricos dos bairros do centro de Lisboa, e habitantes pobres das redondezas da cidade, obrigados a ali permanecer. Como se o mundo se reduzisse àquele pequeno perímetro. Que rumo trilhar quando não se vislumbra alternativa? Que plano traçar quando vemos os nossos pais trabalhar incessantemente, enquanto são incessantemente explorados? Não é fácil viver nestas circunstâncias; não é fácil ver o esforço ser pago com desprezo e racismo; não é fácil dependeres de um bando de facínoras que te usurpa a alma e o corpo. Esta é a mais dura das realidades, mas é uma realidade bem viva, que resiste e persiste. João Canijo, no seu mais recente filme - Sangue do meu Sangue -, retrata de um modo peculiar a vivência nos bairros periféricos, contando a história de uma família do Bairro Padre Cruz (Pontinha, Lisboa), envolta na teia construída pelos meandros da exclusão em que os suburbanos são apanhados. Uma família de trabalhadores e lutadores, mas incapazes de escapar às armadilhas montadas pelos segregadores, que os impelem a procurar as alternativas mais dolorosas.
Já Marx dizia que «é a existência que determina a consciência», e estava certo. É a nossa experiência que define a forma como olhamos o mundo. Quando esmiuçamos esta realidade e discernimos, apercebemo-nos da necessidade de a alterar. Se nada for feito para acabar com as terríveis iniquidades sociais, a exclusão ou o racismo, a situação só tenderá a piorar. E os suburbanos serão os princpais prejudicados. Mas os suburbanos não estão adormecidos, e rejeitam permanecer nesta condição. Há alternativas, e essas alternativas começam a forjar-se. Já é hora de parar a brincadeira segregacionista.


* Estudante de Ciências da Comunicação na FCSH-UNL. O Autor escreve pontualmente no Blog da A.I.J.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Crónica Semanal de Bernardo Tomé no Blog da A.I.J - 23/03/2012

A Juventude
Bernardo Tomé *
A juventude ainda não se perdeu. No pensamento do corpo-matéria de um jovem, existe sempre um limite que não se esgota. Infinita força que se move na fome intrínseca de uma sabedoria que se quer atingir.
Ainda há nas ruas de hoje, como de ontem, como de amanhã, rapazes e raparigas imberbes, virgens, que dançam nos prédios violeta da saudade, a carregarem nas campainhas e a fugirem na mesma dança. No jogo do toca e foge, qual Aniki-Bobó de Manoel de Oliveira, meninos que não dormem com medo de acordarem velhos. Às escondidas, debaixo dos carros, no alto das varandas, eclipsados para que a maturidade não os apanhe. Ao pé-coxinho, no baile de cordas e elástico, os mesmos meninos são uma revolução de uma irmandade que se cola em bisnagas e balões encharcados, coloridos.Na idade da inocente precisão de escolhas, a juventude rasteja em velocidade de carrocel, destemidos, contra uma corrente que lhes não interessa. Nas praias, constroem túneis na areia para que as mãos se encontrem no escuro e a amizade perdure muito além do amor.
É o fazer parte da juventude que se gabam, quando os matraquilhos saem fora das quatro linhas e o terror da adolescência os visita. São bares e musica já. Salões, boates, discotecas, o que seja. São os primeiros beijos, as mãos no peito quase despido, as mãos a descobrirem cheiros que só ouviram falar em filmes.
 A juventude está para durar porque ser lúdico é ser vida em si mesmo, é mastigar azedas pelo sôfrego de ser mais forte, mais amargo.
Ninguém pergunta aos jovens: posso jogar. Ser jovem é jogar a vida, fustigar o trabalho porque esse, só antes dos Esteiros de Soeiro.
            A juventude não abandona os lugares comuns porque são sempre únicos. A descoberta das palavras nos corpos nus de quem quer ser crescido, ser. Não há aflição que se assemelhe: perder lágrimas de antigos namorados que não se lembram. É a juventude. É sempre a juventude que se recorda o que são beijos sem fôlego, beijos de olhos fechados, no escuro, sempre no escuro, como as mãos nos túneis da areia, na praia.
            Passar agora à porta de uma escola e memorizar os rostos que já sabem tudo da vida e que, amanhã tudo farão para esquecer. Crescer. Fazer andar o ciclo e terminar os sonhos húmidos de loucuras que se cometeram na ânsia dos bons malandros que se divertem a brincar com a foice da morte.
            A juventude ainda não se perdeu. Nunca se perderá. Enquanto eu puder fazer a barba de manhã, calçar os ténis e as pernas não me pesarem, a juventude viverá dentro de mim e dos que ainda sabem que a existência pode ser interminável.
              

*Professor Primário (escreve as Sextas-feiras).

quarta-feira, 21 de março de 2012

Crónica Semanal "Este país não é para jovens “ - 21/03/2012

Francisco Vicente da Silva*

"São apenas escolhas políticas: betão ou educação? "


Por cá o desemprego jovem atinge números recorde. Com eles sobe também o risco de uma explosão social como temos visto já em diversos países ultimamente.
Um governo que em vez de apostar na realização de todo o potencial da juventude, que o desperdiça e deita no lixo, é um governo que pretende acabar com o futuro do país.
Cada vez mais o poder local terá que se confrontar com as consequências desta negligência voluntária do governo e procurar apresentar soluções para a combater e minimizar os estragos que o governo central está a causar ao país e em especial aos mais jovens.
Uma política local apropriada será não um apoio directo, esse compete à administração central, mas a criação de uma espécie de rede que ampare as quedas resultantes do não investimento em políticas centrais de juventude.
Sabemos hoje que há milhares de jovens a deixar as faculdades por impossibilidade de continuarem a pagar propinas com valores cada vez mais altos, violando a constituição portuguesa que postula um ensino universal e tendencialmente gratuito.
Sabemos também, que há milhares de jovens a contrair empréstimos a juros abusivos para conseguirem acabar de pagar o seu curso, contando que assim que o terminem consigam obter uma remuneração digna das suas qualificações para saldar estas dívidas.
No entanto, os jovens têm cada vez menos oportunidades de emprego, quanto mais empregos onde recebam remunerações ajustadas à mais valia que trazem aos empregadores.
Estamos assim a criar mais uma espiral de endividamento sem possibilidade de pagamento para conseguirem saldar estes empréstimos os jovens terão de se sujeitar a qualquer proposta salarial e a quaisquer condições de emprego, baixando assim o valor médio pago em salários. 
Em vez de rotundas, estatuetas e demais investimentos sem sentido, o orçamento das autarquias devia incluir uma parte canalizada para o investimento no ensino superior. É urgente fazer o levantamento de quantos jovens em cada concelho estão a abandonar o ensino superior bem como o número de jovens que nem colocam essa possibilidade após terminarem o secundário por falta de condições financeiras. Posteriormente seriam analisados os casos e a câmara seria responsável pela criação de bolsas de estudo para colmatar as falhas do governo central de modo a que não houvesse um único jovem que abandonasse os estudos por estas razões.

São apenas escolhas políticas: betão ou educação? 

* O autor escreve às Quartas-feiras no Blog da A.I.J.

sexta-feira, 16 de março de 2012

1º CRÓNICA NO BLOG DA A.I.J - 16/03/2012

A luta e o tempo - 
Bernardo Tomé*


O tempo passa devagar sempre que o tentamos determinar. Ele está sempre pautado numa cadência de segundos e minutos que os ponteiros esfregam. E nós ainda assim contamos, paramos de contar, voltamos a contar. Ele sempre a fazer-se ao futuro. Alguns de nós presos nos momentos que ele deixou para trás. Alguns de nós ansiosos que ele nos carregue para um presente que deixa sempre de o ser na imaginação dos loucos.
Passou-se algum tempo desde que vi aquele rapaz a falar para a televisão. Era o tempo em que para mim não existia política. E no entanto, na voz daquele menino-criança, a política tinha a força dos lutadores ingremes.
Ele falava como um adulto, como um homem que carregou baldes de sabedoria, como um senhor que se fez velho antes mesmo de ser infantil. Ele não temia as objetivas e as perguntas destemidas dos jornalistas. Implicava com o sistema e atrás de si uma escola inteira de rebeldia e vontade.
Era uma manhã de névoa e a escola parecia uma prisão de criminosos sem armas. Crimes em rapazes e raparigas, suspeitos de guardarem dentro a intelectualidade, a arrogância de saberem mais do que deviam saber. A escola eram cadeados mil, a trancarem o lugar de estudo, a prisão das crianças livres.
O rapaz opinava com a certeza toda de Marx. Olhos rasgados, com ares de Genghis Khan. Forma pesada no corpo e uma voz rouca de gritos noturnos. Mas uma vontade, uma veracidade, uma convicção acima da pressão vigorosa dos adultos professores. Um menino-criança que já conhecia a literatura clássica, as palavras russas. Dureza no discurso.
Os ponteiros do meu tempo lembram-se perfeitamente desse rapaz.
Ele cresceu. Tenho a certeza que ele cresceu. A ordem natural das coisas ordenou que o tamanho das suas pernas fosse outro, que o corpo ganhasse outras formas, mais leves. Mas a voz igual. Os olhos com ares de Genghis Khan iguais. O jeito de menino-criança igual. A forma em metamorfose mas a convicção e a verdade coladas à sua voz rouca, sempre rouca.
O rapaz cresceu.
O tempo nunca é novo ou velho demais. É sempre tempo. Tempo. Ele altera o mundo, mas permanece sempre igual. É tempo, pronto.
Hoje é de manhã. Está uma névoa como naquele dia em que o rapaz galvanizou uma guerrilha de jovens, em que o protagonista de uma escola inteira de velhos saberes se entregou a uma luta, talvez a primeira de muitas, rumo a um lugar mais justo, mais bonito. Hoje é hoje e o tempo não formatou as ideias do rapaz que se fez homem nas ideias mais profundas do ser humano.
Hoje o rapaz é um homem da história.

Eu estou um pouco mais velho e recebi um convite do rapaz para iniciar uma jornada de crónicas que não faço a mínima ideia de como fazê-las funcionar. Esta é a primeira crónica que escrevo e só tenho a certeza que este é o meu perdão por não ter estado naquela manhã de névoa, junto às tropas que se reuniram para mudar o rumo de uma escola que se perdia nas malhas dos adultos-aranhas. Esta é a primeira crónica que escrevo e estou convicto de que o rapaz saberá o que fazer com as minhas palavras.

Ao Luís Baptista.

*Professor Primário (escreve as Sextas-feiras).

quinta-feira, 8 de março de 2012

SOMOS PELA PAZ!

A Associação Iniciativa Jovem, desde a sua fundação, assume-se como uma organização em prol da paz e do respeito entre os povos, contra os atentados à soberania dos países e pela resolução pacifica dos conflitos. Neste sentido,associámonos  ao Conselho Português para a Paz e Cooperação,  e a dezenas de outras organizações sociais, na condenação a mais guerras no Médio Oriente, em concreto, na Síria e Irão. Defendemos, que todos os povos têm direito a viver em democracia,  em regimes onde a sua dignidade seja respeitada e onde as instituições democráticas sejam uma realidade, no entanto, acreditamos que isso não se consegue com intervenções militares externas, mas sim, através da organização interna dos seus povos.

Por isto, subscrevemos o Manifesto lançado pelo CPPC e que já colhe a assinaturas de dezenas de organizações. Apelamos ainda, para que participem na ARRUADA PELA PAZ, NO PRÓXIMO DIA 13 DE MARÇO, PELAS 18H00. A Associação Iniciativa Jovem vai estar presente!

AQUI FICA O MANIFESTO:

Pela Paz! Contra uma nova guerra no Médio Oriente!

Crescem novas ameaças de uma intervenção militar externa no Médio Oriente.
Usando como pretexto a situação na Síria, pela qual são dos primeiros responsáveis, ou a suposta intenção de produção de armamento nuclear pelo Irão, nunca provada e repetidamente desmentida pelas autoridades deste país, os EUA e a União Europeia (os maiores produtores e exportadores de armas no mundo), com o apoio dos seus aliados na NATO, como a Turquia, de Israel e de países árabes, promovem a escalada de conflito e de ingerência e agressão à Síria e constantes ameaças de intervenção militar contra o Irão.
Falando de forma hipócrita sobre os direitos humanos, aqueles que espalharam a morte e a destruição e que são responsáveis por sistemáticas e brutais violações destes direitos na Palestina, no Afeganistão, no Iraque ou na Líbia, ameaçam de novo com a guerra - a mais brutal violação dos direitos humanos.
O que está verdadeiramente em causa é a ambição de controlo total das matérias-primas do Médio Oriente pelas grandes potências, sobretudo das importantes riquezas em hidrocarbonetos, e a destruição de qualquer país que soberanamente se oponha a esta intenção.
Uma intervenção militar contra a Síria e o Irão afectaria os povos de todo o mundo e teria consequências graves para todo o Médio Oriente, devido à escalada de violência que geraria e ao aumento dos preços dos combustíveis que se seguiria. Depois do Iraque, do Afeganistão e da Líbia, tudo deve ser feito para evitar uma nova guerra.


Assim, as organizações signatárias:
- Rejeitam qualquer intervenção militar contra a Síria e o Irão;
- Condenam as acções estrangeiras para desestabilizar estes países;
- Exigem o fim das sanções contra a Síria e o Irão, cujas primeiras vítimas são as populações;
- Apelam, no espírito e respeito da Carta das Nações Unidas, ao diálogo, à negociação e à diplomacia para a resolução pacífica dos conflitos na região;
- Consideram que todos os povos, incluindo os da Síria e do Irão, têm o direito de viver em paz e em democracia, de acordo com as suas decisões soberanas;
- Insistem no reconhecimento dos direitos do povo da Palestina, incluindo o direito a um Estado livre e soberano;
- Apelam a um Médio Oriente livre de armas nucleares, nomeadamente à desnuclearização de Israel.

Março de 2012

As organizações signatárias: A Voz do Operário; Associação de Amizade Portugal-Cuba; Associação de Estudantes da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa; Associação Iniciativa Jovem Associação Iuri Gagarin; Associação Os Pioneiros de Portugal; Associação Projecto Ruído; Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses - Intersindical Nacional; Confederação Nacional de Reformados Pensionistas e Idosos – MURPI; Conselho Português para a Paz e Cooperação; Ecolojovem - “Os Verdes”; Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal; Federação Nacional de Professores; Federação Portuguesa dos Sindicatos do Comércio, Escritórios e Serviços; Fiequimetal; Interjovem; Juventude Comunista Portuguesa; Movimento Democrático de Mulheres; Sindicato dos Trabalhadores do Comércio, Escritórios e Serviços de Portugal; 

A.I.J no Carnaval de Torres 2012

Como vai sendo tradição, pelo terceiro ano consecutivo, realizamos a deslocação ao Carnaval de Torres Vedras. Perto de quarenta sócios e amigos da Associação, após um agradável jantar de convívio, dirigiram-se em autocarro para o maior e mais tradicional Carnaval Português. Com esta iniciativa, pretendemos assinalar esta época festiva num ambiente popular e tradicional, além de, com a organização de um autocarro próprio, contribuirmos para uma deslocação rodoviária mais segura para todos. É vontade da Direcção da AI.J, continuar a realizar esta deslocação anual, contrariando desta forma, a intenção governativa de acabar com mais esta tradição.

Podes ver as fotos da deslocação AQUI:

http://www.facebook.com/media/set/?set=a.158245080960978.31740.100003264627968&type=1

Comemorou-se o 2º Aniversário da Associação Iniciativa Jovem!

Com a presença de cerca de quatro centenas de sócios e amigos, decorreu no passado dia 4 de Fevereiro a festa do 2º Aniversário da A.I.J. Numa noite de música electrónica, com a presença de dj´s de renome internacional, o ambiente foi de convívio e fraternidade entre os presentes, a grande maioria conhecidos do nosso Concelho. 

Aqui ficam as fotos para podermos recordar: