domingo, 25 de março de 2012

Crónica de Domingo no BLOG da A.I.J - 25/03/2012

Convicção (sub)urbana
Daniel Veloso*

Por vezes reflectimos sobre o porquê das coisas. Sobre o porquê da sociedade estar assim organizada, dividida, segregada. Ainda que tentemos acreditar viver numa sociedade mais justa e igualitária do que há meio século atrás, a realidade circundante impede-nos de abraçar essa ilusão. Ao desbravarmos terreno e calcorrearmos as profundezas de uma cidade como Lisboa, facilmente compreendemos a complexidade da segregação social a que muitos são, ainda hoje, submetidos. Menosprezados, esquecidos, hostilizados. É esse o quotidiano dos habitantes dos bairros periféricos, dos pejorativamente denominados “bairros problemáticos”. Subsistindo em condições precárias, e votados a um enorme isolamento, as perspectivas são quase nulas para os suburbanos. A miséria ríspida, a putrefacta opressão, a marginalização causada por uma grande parte da sociedade. Perspectivas de emprego ou estudo? Zero. Jovens suburbanos são escorraçados, tratados como objectos. Muitos dizem que isso acontece precisamente porque esses jovens são “bandidos”, “criminosos”, “arruaçeiros”, “traficantes”, “mal intencionados”. No entanto, é necessária uma análise das razões que conduzem os suburbanos a esses atribulados caminhos. Ninguém nasce ladrão, ninguém nasce criminoso. A questão central aqui é a desigualdade, perpetuada pelo sistema e agudizada na periferia. Porque, quando o desemprego jovem ronda os 35% em Portugal, essa percentagem ultrapassa os 60% nos subúrbios. Quando a fome grassa em todo o lado, essa fome grassa com maior veemência nos bairros da linha de Sintra ou Loures. Frequentemente, os jovens da periferia enveredam por caminhos “socialmente inaceitáveis”, encetam acções que os condenam à hostilização. Mas será esta “tendência” aleatória? Claro que não. É uma tendência decorrente da exclusão social a que os subordinam. É uma consequência do fosso social existente entre habitantes ricos dos bairros do centro de Lisboa, e habitantes pobres das redondezas da cidade, obrigados a ali permanecer. Como se o mundo se reduzisse àquele pequeno perímetro. Que rumo trilhar quando não se vislumbra alternativa? Que plano traçar quando vemos os nossos pais trabalhar incessantemente, enquanto são incessantemente explorados? Não é fácil viver nestas circunstâncias; não é fácil ver o esforço ser pago com desprezo e racismo; não é fácil dependeres de um bando de facínoras que te usurpa a alma e o corpo. Esta é a mais dura das realidades, mas é uma realidade bem viva, que resiste e persiste. João Canijo, no seu mais recente filme - Sangue do meu Sangue -, retrata de um modo peculiar a vivência nos bairros periféricos, contando a história de uma família do Bairro Padre Cruz (Pontinha, Lisboa), envolta na teia construída pelos meandros da exclusão em que os suburbanos são apanhados. Uma família de trabalhadores e lutadores, mas incapazes de escapar às armadilhas montadas pelos segregadores, que os impelem a procurar as alternativas mais dolorosas.
Já Marx dizia que «é a existência que determina a consciência», e estava certo. É a nossa experiência que define a forma como olhamos o mundo. Quando esmiuçamos esta realidade e discernimos, apercebemo-nos da necessidade de a alterar. Se nada for feito para acabar com as terríveis iniquidades sociais, a exclusão ou o racismo, a situação só tenderá a piorar. E os suburbanos serão os princpais prejudicados. Mas os suburbanos não estão adormecidos, e rejeitam permanecer nesta condição. Há alternativas, e essas alternativas começam a forjar-se. Já é hora de parar a brincadeira segregacionista.


* Estudante de Ciências da Comunicação na FCSH-UNL. O Autor escreve pontualmente no Blog da A.I.J.

Sem comentários:

Enviar um comentário